
A Receita Federal decidiu apertar o cerco — e o alvo é claro: o produtor rural pessoa física que utiliza contratos de arrendamento como instrumento de planejamento tributário agressivo. Com a deflagração da Operação Declara Agro (Arrendamentos), em novembro, o fisco identificou divergências em mais de 1.800 declarações, envolvendo valores que ultrapassam R$ 1,7 bilhão.
O recado é direto e sem margem para interpretação: quem não se autorregularizar até 30 de janeiro de 2026 poderá enfrentar multas que chegam a 150% do imposto devido, além de juros, autuações e riscos patrimoniais relevantes.
A operação não surge do nada. Ela é o desdobramento de um processo silencioso e progressivo de sofisticação do cruzamento de dados fiscais, iniciado ainda em 2019, no Rio Grande do Sul, sob o nome de “Declara Grãos”, e que agora ganha musculatura nacional.
Desde então, os números impressionam: mais de 30 mil declarações retificadas, R$ 131 milhões arrecadados por autorregularização e, apenas em irregularidades ligadas a arrendamentos, R$ 196 milhões em valores declarados e R$ 33,8 milhões em IR regularizado.
O que antes era tolerado como “prática de mercado”, agora passou a ser tratado, sem rodeios, como fraude fiscal.
O nó da questão: arrendamento não é atividade rural
O ponto central da fiscalização está em uma manobra bastante difundida no setor:
proprietários de terra arrendam a fazenda, recebem o pagamento em produtos (soja, milho, gado) e, ao vender essa produção, declaram como se fosse atividade rural própria, utilizando o Livro Caixa da Atividade Rural.
O resultado?
Uma tributação artificialmente mais baixa.
O problema?
A Receita Federal não aceita mais essa interpretação.
Tecnicamente, o que ocorre é uma dação em pagamento — e não produção própria. Para o fisco, a receita obtida nesses casos é imobiliária (locação) e deve ser tributada via Carnê-Leão no mês do recebimento. Se houver valorização posterior na venda do produto, a diferença ainda configura ganho de capital.
Registrar isso como atividade rural, segundo a Receita, falseia a natureza da receita.
E o fisco já escolheu o termo: fraude.
Parceria rural sob suspeita: o risco da reclassificação automática
Outro flanco aberto pela Operação Declara Agro é a reclassificação de contratos de parceria rural em arrendamento.
Na prática, muitos contratos são formalizados como parceria, mas não atendem aos requisitos legais do Estatuto da Terra. Diante disso, a Receita vem adotando uma postura agressiva: desconsidera a forma e tributa pelo conteúdo econômico, tratando tudo como arrendamento.
Aqui reside um ponto sensível — e perigoso.
Há casos em que a desclassificação é tecnicamente discutível e pode representar excesso interpretativo do fisco, abrindo espaço para defesa administrativa e judicial. Mas isso só é possível quando o produtor possui documentação robusta, demonstração clara da divisão de riscos e efetiva participação na atividade.
Quem usa parceria apenas como fachada contratual, entrou definitivamente no radar.
Notificação silenciosa, prejuízo barulhento
A Receita Federal não bate à porta.
Ela notifica por carta, e-CAC, e-mail ou SMS.
E aqui está um dos maiores riscos:
quem não acessa regularmente o e-CAC pode perder o prazo sem sequer saber que foi notificado.
Quando percebe, já não há autorregularização. Há auto de infração.
E o custo explode.
Um imposto de R$ 100 mil pode virar R$ 175 mil ou R$ 250 mil, fora juros. Sem falar na inscrição em dívida ativa, bloqueio de certidões negativas e impacto direto no crédito rural — algo que, para muitos produtores, inviabiliza a própria atividade.
Caminhonetes, SUVs e a guerra do Livro Caixa
A Operação Declara Agro também escancara outro conflito antigo:
a glosa de despesas com caminhonetes de cabine dupla e SUVs.
A Receita insiste em tratar esses veículos como de uso pessoal, mesmo em propriedades onde são instrumentos essenciais de trabalho. Trata-se de uma disputa interpretativa que já vem sendo enfrentada no contencioso administrativo e judicial.
Aqui, a regra é clara: quem não comprova, perde.
Notas fiscais, controle de uso, registros de abastecimento e vinculação com a atividade rural deixam de ser detalhe e passam a ser linha de defesa.
2026 não será um ano comum para o produtor
O cenário que se desenha é duro.
Além da continuidade da Declara Agro, 2026 marca o início do período de testes do IBS e da CBS, novos tributos sobre consumo que afetarão diretamente contratos de arrendamento e estruturação patrimonial no campo.
Some-se a isso margens apertadas, juros elevados, instabilidade de preços e insegurança jurídica.
A mensagem da Receita é cristalina:
a era da informalidade tributária no agronegócio acabou.
Quem não revisar contratos, não corrigir declarações e não profissionalizar a gestão fiscal vai pagar caro — seja em imposto, seja em litígio.
No campo, planejamento sempre foi sinônimo de colheita.
Na tributação, agora também é sinônimo de sobrevivência.

































































