Por Cleuber Carlos – Especial para o Mais Brasil News
O Brasil vive um momento que transcende a política doméstica. A tornozeleira eletrônica de Jair Bolsonaro e sua proibição de usar redes sociais são mais do que medidas cautelares — são um divisor de águas na relação entre Judiciário, democracia e poder internacional.
E, goste-se ou não de Bolsonaro, o que está em jogo não é apenas a liberdade de um ex-presidente, mas a solidez das instituições brasileiras em um cenário onde o Brasil virou peça estratégica no tabuleiro do trumpismo global.
O Brasil no ringue: Moraes vs. Bolsonaro
A decisão do ministro Alexandre de Moraes é juridicamente defensável. O Código de Processo Penal prevê medidas restritivas para evitar fuga ou incitação a novos atos antidemocráticos. E é bom lembrar: a tentativa de golpe de 2022 não é ficção conspiratória; há rastros digitais, reuniões suspeitas e militares envolvidos.
Mas aqui mora o dilema: até onde vai a força legítima do Estado antes de virar autoritarismo judicial? Moraes concentra poderes de investigação e julgamento, uma anomalia que, embora respaldada por decisões colegiadas do STF, alimenta narrativas de perseguição. E Bolsonaro sabe explorar isso como ninguém: se coloca como vítima do “sistema”, e cada nova restrição vira combustível para seu discurso de mártir.
Trump e o aroma de 2024 nas eleições americanas
A intervenção americana não tem nada de altruísta. Donald Trump enxerga em Bolsonaro um espelho de sua própria luta contra o establishment. Revogar vistos de ministros do STF e impor tarifas de 50% ao Brasil não são gestos de solidariedade; são jogadas eleitorais.
Trump precisa mostrar aos seus eleitores que combate “governos socialistas” e que defende aliados conservadores perseguidos. Mas é um tiro que pode sair pela culatra: as tarifas prejudicam exportadores americanos e irritam parte do empresariado que já desconfia de seu protecionismo.
Não se engane: se Bolsonaro fosse irrelevante para o trumpismo, Trump não moveria um dedo. O que ele está fazendo é usar o Brasil como palco de sua narrativa anti-esquerda e anti-globalista, mesmo que isso deteriore relações diplomáticas históricas.
Quem está certo? Quem está errado?
Moraes: No campo legal, ele está coberto. Se há provas robustas contra Bolsonaro, é papel do STF proteger a ordem democrática. Mas o excesso de centralização em suas mãos é perigoso. Democracias fortes se constroem com instituições equilibradas, não com “heróis” salvadores.
Bolsonaro: Ele tenta transformar restrições judiciais em palanque político. Não é santo perseguido, é um réu que flertou com a ruptura institucional. Mas, paradoxalmente, quanto mais duro o STF for, mais ele se fortalece junto à sua base.
Trump: Age como sempre agiu — impulsivo, populista e oportunista. Sua retaliação econômica é menos sobre Bolsonaro e mais sobre conquistar votos na Flórida rural e no Texas conservador.
O que pode acontecer?
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Cenário provável: Bolsonaro desobedece, é preso até setembro e vira ícone da “resistência conservadora”. Isso unifica sua base e o mantém politicamente vivo para 2030, ainda que inelegível.
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Cenário institucional: O STF sai fortalecido, mas ao custo de aumentar o discurso antipolítica. O Brasil corre risco de repetir a polarização tóxica dos EUA.
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Cenário internacional: Trump pode usar o Brasil como vitrine até a eleição americana, mas se perder, Biden (ou outro democrata) deve reverter as sanções, deixando o Brasil com sequelas diplomáticas desnecessárias.
Conclusão: quem ganha com esse embate?
No curto prazo, todos ganham um pouco e o Brasil perde muito. Moraes reafirma o poder do Judiciário, Bolsonaro alimenta sua narrativa messiânica, e Trump pavimenta sua campanha.
Mas, a longo prazo, o verdadeiro risco é a normalização da política do “nós contra eles”. Democracias morrem assim: não de um golpe súbito, mas de milhares de pequenas vitórias autoritárias — vindas tanto da toga quanto do populismo.
✍️ Cleuber Carlos é jornalista investigativo e analista político.