Documento recebido pelo MB News promete transferência de crédito de exportação amparada em SPED e “nota CFOP 5.601”, mas o fisco confirmou:
o crédito não existe
; contrato traz cláusulas atípicas com “paymasters”, proibição de contato direto e confissão de dívida
A Secretaria da Economia de Goiás confirmou à nossa reportagem que o “crédito de ICMS” oferecido por intermediários a empresas goianas é falso. O esquema vendia a promessa de incorporar, “em 48 horas”, supostos créditos acumulados de exportação por meio de nota fiscal de transferência (CFOP 5.601) e registro no SPED, com pagamentos fracionados a paymasters e cláusulas de bloqueio judicial contra o comprador.
O contrato ao qual o Mais Brazil News teve acesso aponta que a cessão seria lastreada em “recibo SPED de dezembro/2024”, citações à Lei Kandir, à CF/88 e ao uso do CFOP 5.601 para lançar “outros créditos” no Bloco E100 do arquivo magnético . O mesmo documento proíbe o contato direto entre cedente e cessionário — tudo teria de passar pelos “intermediários” — e centraliza todo o fluxo financeiro em paymasters, inclusive pessoa física com conta corrente própria, além de impor confissão de dívida executável e multa mínima de 20% em caso de rescisão .
Por que é golpe — os sinais de alerta no contrato
- Base legal usada fora de contexto
O texto mistura referências gerais (CF/88 e Lei Kandir) com procedimentos que dependem de autorização específica do fisco estadual. Citar “autorização federal” para ICMS não faz sentido; trata-se de imposto estadual. O contrato ainda aponta Súmula “284 do STJ” — referência equivocada (a Súmula 284 é do STF, e nem trata de ICMS), típico indício de juridiquês para dar verniz técnico . - RICMS de outro estado
Em uma operação explicitamente para Goiás, o texto invoca Regulamento do ICMS de São Paulo (Decreto 45.490/2000) em trechos, algo incompatível com a realidade regulatória goiana . - “Paymasters” e conta de pessoa física
O contrato determina que pagamentos não sejam feitos ao cedente, mas a paymasters exclusivos — um deles pessoa física, com dados bancários pessoais — e ainda blinda os intermediários, atribuindo a eles a distribuição de milhões e isentando os demais em caso de calote . É engenharia perfeita para opacidade. - Proibição de contato direto e confissão de dívida
A cláusula que veda contato entre as partes fora dos intermediários e a confissão de dívida executável criam assimetria: o comprador se amarra juridicamente antes mesmo de comprovar a existência do crédito . - Promessa de “inserção por SPED” via CFOP 5.601
O contrato promete “incorporar” o crédito lançando-o como “outros créditos” no Bloco E (E100) com CFOP 5.601 . Sem homologação expressa da SEFAZ/GO, esse lançamento não gera crédito válido; vira papel sem valor — e pode caracterizar fraude.
O que a Economia de Goiás disse
Segundo a checagem feita pelo MB News junto à Secretaria da Economia, não há crédito existente e nenhum processo regular de autorização/homologação que ampare a cessão ofertada. Em linguagem direta: estavam tentando vender crédito que não existe.
Os documentos que sustentam a apuração
- Contrato de cessão de créditos de ICMS – Goiás, com cláusulas de “paymasters”, CFOP 5.601, proibição de contato e confissão de dívida .
- Recibos de SPED remetidos pelo grupo aos potenciais compradores, citados no próprio contrato como “lastro” .
Possíveis crimes e responsabilizações
- Estelionato e associação criminosa (arts. 171 e 288 do CP).
- Crimes tributários (Lei 8.137/90) se houver tentativa de apropriar-se de crédito inexistente ou induzir lançamento indevido.
- Lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) se os “repasses” via paymasters forem usados para ocultar origem/destino de valores.
Como empresas podem se proteger (checklist prático)
- Homologação na SEFAZ/GO: sem ato expresso do fisco, não compre crédito.
- Nada de paymaster pessoa física: pagamentos devem ir ao cedente identificado (CNPJ), com nota fiscal idônea.
- Due diligence no SPED: exija acesso formal aos registros (e-Cred/SEFAZ, processo e despacho), não só “prints”.
- Revisão jurídica independente: desconfie de contratos com confissão de dívida prévia e proibição de contato.
- Comprovantes do crédito: número de processo, despacho homologatório, origem do crédito (exportações), memória de cálculo.
- Reporte: em caso de oferta suspeita, comunique SEFAZ/GO (Ouvidoria), Ministério Público (Crimes Fazendários) e Polícia Civil (Delegacia Fazendária).
Posição dos envolvidos
O Mais Brazil News tentou contato com os intermediários e paymasters citados no instrumento para que apresentem provas de homologação do crédito e explicações sobre as cláusulas e a estrutura de pagamentos. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.
Nota do Editor
Esta reportagem integra a série do Mais Brazil News sobre mercado paralelo de “créditos” de ICMS em Goiás e no Centro-Oeste — prática que mistura brechas legais, soluções de caixa e golpes sofisticados. Se você recebeu oferta semelhante, escreva para a redação com os documentos.