O embate entre quem prefere ou não o home office aumenta; Especialista traz os principais pontos a serem discutidos na escolha do modelo para seu negócio.
De acordo com o site de empregos Indeed, em março de 2022,12,6% das vagas anunciadas no Brasil tinham a possibilidade de home office. Na mesma época neste ano, o índice caiu para 7,7%. O fenômeno é ainda maior nos Estados Unidos. Segundo o LinkedIn, em agosto de 2022, 17.8% das vagas de emprego publicadas na rede ofereciam trabalho remoto. Em agosto deste ano, esse valor caiu para cerca de 9%. Ao mesmo tempo, a busca por vagas remotas continua em alta: 43.7% das candidaturas na rede social são voltadas para elas. É uma conta que não fecha, e reflete o cabo de guerra que o mercado de trabalho está enfrentando mundialmente: home office versus presencial.
O debate vem acontecendo desde 2020, quando a pandemia obrigou inúmeros negócios e profissionais a adotarem o modelo remoto. Desde então, há discussões sobre manter ou não essa maneira de atuar. O híbrido se tornou uma resposta em alguns casos, mas mesmo assim há discordâncias. Até mesmo grandes techs, como Amazon e Google, vem exigindo maior presença no escritório, inclusive indo contra protestos e abaixo-assinados de suas equipes.
“É um assunto delicado e com muito mais nuances do que as pessoas talvez percebam”, afirma Andréa Migliori, CEO da Workhub, uma HRtech de soluções para portais corporativos que já nasceu no modelo remoto em 2020 e continua até hoje. Mais equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, ganho de tempo na locomoção e mais conforto, são as vantagens mais destacadas do modelo de trabalho remoto. Já o presencial traz o benefício do contato humano e da integração do time. “Mas o que de fato é necessário para que um ou outro modelo funcione? É isso que as pessoas realmente precisam discutir”, ressalta a CEO.
Ao invés de argumentar apenas com os benefícios, o que Andréa acredita que está faltando ao debate é a prática. Se a empresa percebeu alguma queda de produtividade em um modelo ou outro, é preciso analisar a razão — ainda que seja mais ‘fácil’ simplesmente mudar para o outro lado.
“Em muitos lugares há uma tendência a culpar o modelo quando, na verdade, há falhas no modo de atuar”, comenta. “E é natural que isso aconteça, porque o trabalho remoto e o híbrido, em grande escala, é uma novidade muito recente. Alguns negócios já atuam assim há alguns anos, mas a grande maioria foi jogada de cabeça, e só nos últimos dois anos passou a ver como é trabalhar à distância em um mundo pós-pandemia”, completa Andrea.
Além disso, recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgado em outubro deste ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que no Brasil, 9,5 milhões de pessoas trabalharam remotamente em 2022, o que representa 9,8% do total de ocupados que não estavam afastados do trabalho no período. A região Sudeste concentrou 5,067 milhões de trabalhadores remotos, seguida por Nordeste (1,657 milhão), Sul (1,506 milhão) Centro-Oeste (751 mil) e Norte (482 mil).
Qual é o desafio?
A CEO considera que alguns pontos centrais levam o trabalho remoto ou híbrido a funcionar. Sem eles, as equipes ficam mais propensas a produzir menos ou pior, e a empresa pode sentir que a única solução é voltar ao presencial.
O primeiro ponto é a autogestão de cada profissional. “Essa é uma qualidade pessoal, uma soft skill absolutamente necessária para o modelo remoto ou híbrido e que não é todo mundo que possui”, destaca. “Muitas pessoas nunca tiveram a oportunidade de praticar a autogestão, já que sempre seguiram ordens e horários específicos. Mas, para dar conta do home office, não tem jeito: é preciso saber cuidar da própria agenda e gerenciar o próprio tempo muito bem”, salienta Migliori.
Isso leva a outra questão: as formas de comunicação existentes. A síncrona é aquela que acontece ao mesmo tempo para todas as pessoas envolvidas, como uma ligação ou reunião. Já a assíncrona é um e-mail ou uma mensagem no WhatsApp que pode ser respondida mais tarde, ou seja, é aquilo que não acontece em tempo real. “No trabalho remoto é preciso equilibrar muito bem entre esses dois tipos. O problema é que as pessoas que não estão acostumadas acabam exigindo uma presença online sem parar, o que drena a equipe e até atrapalha no cumprimento das demandas”, explica a CEO.
Por fim, um dos tópicos mais delicados sobre o assunto, mas que precisa ser mencionado, é o modo como a gestão lida com o trabalho remoto — e como isso afeta todos os outros pontos.
“Precisamos entender que a maioria das metodologias e orientações de liderança foram construídas pensando apenas no modelo presencial. Elas ainda podem ser muito úteis, mas essencialmente são diferentes do que o remoto exige. E se uma gestão não se adapta, os resultados não vão vir mesmo”, afirma Andréa.
Essas adaptações existem em diversos aspectos. Está na escolha do RH por pessoas que consigam se autogerir, e então na confiança da liderança para de fato deixar que essa autogestão aconteça. Está na construção de processos que respeitem a comunicação assíncrona. Está em métodos de integração e promoção da cultura organizacional online. Está até mesmo nos testes, porque se há poucas referências de gestão, é preciso criar novas.
“Realmente não é simples fazer com que o modelo remoto ou híbrido funcione 100%, mas qualquer modelo tem suas dificuldades”, ressalta Migliori. “As pessoas colaboradoras também têm suas preferências, e é possível ‘casar’ quem prefere presencial com empresas e gestões que também preferem ou precisam que seja assim. O que não é uma boa ideia é fugir de um modelo que poderia dar certo apenas por uma falta de adaptação e de tentativa. Isso inflama a discussão e coloca o mercado de trabalho em uma guerra que não precisa existir”, conclui.