Em Goiás, a palavra “cartel” deixou de ser apenas rumor para se tornar denúncia formal. Em 2024, um grupo de médicos, apoiado pelo advogado Leandro Silva, protocolou uma notícia-crime no Ministério Público acusando a existência de um esquema bilionário na oncologia ligada ao IPASGO. Pouco depois, a representação também chegou ao CADE, responsável por investigar práticas anticoncorrenciais.
Este dossiê investigativo, inspirado em estudos de casos e denúncias já protocoladas, busca reconstruir o funcionamento do chamado “cartel da oncologia” em Goiás.
1. Estrutura de Operação
O cartel denunciado não funciona apenas como um grupo de empresas prestadoras de serviços. Ele se estrutura como um sistema de exclusividade e barreira de entrada:
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Concentração de contratos: apenas algumas clínicas e hospitais são credenciados para o atendimento oncológico do IPASGO, criando monopólio regional.
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Apadrinhamento político-administrativo: decisões sobre credenciamento e repasses estariam ligadas a influências políticas, em detrimento de critérios técnicos.
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Controle da fila de pacientes: com menos prestadores disponíveis, o tempo de espera aumenta — fortalecendo o poder de barganha desses grupos sobre o Estado.
O resultado é um mercado artificialmente limitado, onde a concorrência é eliminada e o custo do serviço dispara.
2. Mecanismos Financeiros
O “estudo” das denúncias permite identificar alguns mecanismos centrais:
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Superfaturamento sistêmico – Valores de procedimentos e quimioterapias são inflados acima da média nacional.
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Fragmentação de doses – Denúncias apontam para fracionamento ou “renderização” de quimioterápicos, prática que reduz custos internos e amplia lucros, mas compromete a eficácia do tratamento.
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Atraso proposital nos repasses – Hospitais como o Araújo Jorge acumulam dívidas superiores a R$ 50 milhões em repasses, o que estrangula financeiramente instituições independentes e fortalece quem está dentro do cartel.
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Ciclo de dependência estatal – A concentração de contratos garante que o Estado e o IPASGO fiquem reféns desses prestadores. Sem alternativas credenciadas, a máquina pública paga o preço imposto.
3. Impacto nos Pacientes
O efeito desse modelo é devastador:
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Atraso no início do tratamento: segundo a Lei nº 12.732/2012, o prazo máximo para iniciar o tratamento do câncer é de 60 dias após o diagnóstico. Em Goiás, pacientes chegam a esperar mais de um ano.
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Diagnóstico que vira sentença: cada semana perdida aumenta o risco de metástase, transformando casos tratáveis em quadros terminais.
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Desigualdade no acesso: quem pode pagar recorre ao setor privado; quem depende do SUS e do IPASGO fica à mercê da fila.
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Mortes silenciosas: estimativas indicam que só em 2019 mais de 6.500 pessoas morreram de câncer em Goiás, média de 17 mortes por dia. Parte dessas vidas poderia ter sido salva com acesso ágil e justo ao tratamento.
4. O Papel do Estado e do CADE
A denúncia agora sob análise do CADE representa um divisor de águas. Se confirmada, o cartel da oncologia em Goiás se tornará um dos maiores escândalos de saúde pública do país, misturando:
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Corrupção administrativa.
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Formação de monopólio.
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Violação de direitos constitucionais (Art. 196 da CF/88).
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Crime contra a dignidade humana.
A omissão do Estado em fiscalizar e romper esse esquema aprofunda a tragédia: vidas são tratadas como variáveis de um contrato.
5. Conclusão: Quem Lucra com a Dor?
O chamado “cartel da oncologia” transforma a luta contra o câncer em uma indústria da morte. Não se trata apenas de dinheiro público mal empregado: trata-se da mercantilização da vida humana.
A pergunta que persiste — e que precisa ser respondida pelas autoridades — é:
quem são os operadores desse sistema que lucram com a doença e com a morte em Goiás?
Enquanto essa resposta não vem, a fila da negligência cresce. E o câncer, ao contrário da burocracia, não espera.
📌 Fontes consultadas:
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Notícia-crime protocolada no Ministério Público (2024) – Médicos e advogado Leandro Silva.
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Representação ao CADE sobre práticas anticoncorrenciais.
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Estimativas do INCA (2023) para novos casos de câncer em Goiás.
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Reportagem de O Popular sobre atrasos e filas no tratamento.
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Lei nº 12.732/2012 (prazo máximo de 60 dias para início de tratamento).
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Dados regionais de mortalidade por câncer (2019–2022).