Pesquisa revela que 99,5% dos menores de idade do país já utilizam o celular para acessar a internet
Fonte inesgotável de estímulos, os computadores, celulares e tablets se tornaram ferramentas que vão muito além do simples papel de comunicação. Tornando a tecnologia acessível também para os pequenos, não é raro encontrarmos crianças assistindo a vídeos no YouTube, desenhos animados ou jogando em seus dispositivos.
Para se ter uma ideia, de acordo com a pesquisa “TIC Kids Online Brasil 2023”, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), ligada ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgada em maio deste ano, 89% das crianças e adolescentes brasileiros de 9 a 17 anos já usam a internet. A mesma pesquisa aponta ainda que praticamente todos eles, 99,5%, usam o celular para acessar a internet, enquanto 86% já possuem perfis em redes sociais.
O debate que se coloca não é mais sobre se as crianças devem ou não usar tecnologia; ela existe e pode trazer muitos benefícios se utilizada da maneira correta. A grande questão é: como superar os desafios de criar filhos na era da inteligência artificial e digitalização?
Pensando no Dia das Crianças, comemorado no próximo dia 12 de outubro, reunimos insights e considerações de pais e mães especialistas no setor para compartilhar suas experiências e estratégias para lidar com a tecnologia no dia a dia das crianças. Confira:
Para Philippe Capouillez, CEO da Sioux, agência consultiva focada em melhorar a performance de seus clientes por meio de estratégias digitais integradas de marketing, design e tecnologia, o uso da tecnologia e da IA não é só uma tendência que deve ser vista de perto, mas uma realidade que já está presente em nosso dia-a-dia. “Estar junto do meu filho, me ensina que não existe mais ‘grau de intimidade com a tecnologia’. Eles já nascem com isso e, para completar, a tecnologia está mais simples. Por exemplo, se ele está com dificuldade de montar um brinquedo (analógico), ele puxa o celular e pergunta “Como montar o brinquedo X?”. Em menos de 5 segundos já está vendo um vídeo mostrando como fazer”, comenta.
Pai do Mathias (10 anos), o executivo destaca que o entendimento sobre essa integração do mundo digital com o mundo físico é algo que pode ser visto também nos negócios. Responsável por toda a estratégia, geração de conteúdo e gestão digital de contas como o Itaú Educação e Trabalho e o Itaú Social, clientes que tem um público-alvo mais jovem, a Sioux percebeu que ao manter esse comportamento em mente é possível verificar mudanças significativas nos resultados.
“A gente esquece que plataformas ou funções mais simples também são alimentadas por IA. Ela não está presente só no Chat GPT. Indiretamente, por exemplo, quando o TikTok escolhe os vídeos que deixam as crianças vidradas (e os pais loucos, rs), ali tem IA funcionando. Claro que pra quem cresceu e assistiu filmes como “Exterminador do Futuro”, “Mad Max” e até “Eu, Robô”, tudo isso pode assustar um pouco. Por isso, acho que o mais importante é que as crianças brinquem com crianças e aprendam a se relacionar com seres humanos. Em um mundo cada vez mais automatizado, ironicamente, acredito que saber se relacionar bem com pessoas vai ser ainda mais importante”, conclui.
Rafael Miranda, CRO da Impulso, organização especializada no desenvolvimento de profissionais e entrega de times de tecnologia sob demanda, se considera uma pessoa bastante digital. Ainda assim, confessa que tem sido difícil acompanhar o ritmo do seu filho, de 17 anos.
“Descobri recentemente que ele já assina as versões premium do ChatGPT e MidJourney para estudar, criar e passar o tempo. Inclusive, ele não usa mais o Google para pesquisar, apenas IAs. É um pouco amedrontador, mas também empolgante. Para todos aprendermos juntos, trouxemos o apoio da IA para nossas conversas em família durante o jantar e os resultados têm sido excelentes, inclusive para percebermos que ela não é infalível. Assim como nós humanos”, destaca o executivo.
Movti
Para Douglas C. Zanatta, CEO da Movti, especialista em transformação digital líder no mercado de soluções em nuvem, um dos principais desafios é definir os limites de uso da tecnologia e também os tipos de conteúdos que são consumidos. “Esses limites são importantes para que eles tenham uma relação saudável com a tecnologia que está cada vez mais presente no nosso dia a dia. Atualmente temos muitos pontos positivos, um acesso maior ao número de informações, aplicativos educacionais, jogos, plataformas para aprendizado, para relacionamento com amigos, para criar conexões, explorar conteúdos do mundo todo, de uma forma muito rápida, possibilitando uma maior consciência do mundo ao seu redor. Apesar de muitos pontos positivos, é preciso se atentar aos tipos de conteúdo e sem dúvida alguma, a privacidade, tudo tem que ser monitorado para que os pais consigam preservar a privacidade dos filhos, porque de novo é essa acho que é uma das principais coisas que a internet se perde é esse controle”, comenta.
O especialista em finanças pessoais, João Victorino, acredita que os desafios de criar filhos na era digital são gigantes. Ele vive dois extremos com os filhos: um jovem de 16 anos, adepto das novas tecnologias, e um menino de 11 anos que está dentro do espectro autista. “As mídias sociais possuem várias vantagens, como interagir com as pessoas e criar conexões à distância a qualquer momento, inclusive, servem como forma de estímulo para o meu filho mais novo aprender coisas. No entanto, também possuem um lado negativo, que vão desde os perigos da internet até os riscos quanto ao excesso do uso de tela. É preciso saber dosar. Aqui em casa fazemos acordos que funcionam: pedimos ao mais velho que não use celular durante as refeições e evite o aparelho enquanto estamos fazendo algo juntos. Eu acredito que o diálogo é base para que os filhos tenham consciência sobre essa questão”, afirma.
Pedro Signorelli, fundador da Pragmática e um dos maiores especialistas do Brasil em gestão, com ênfase em OKR (Objectives and Key Results), acredita que a tecnologia deve ser aliada na educação das crianças, sendo uma ferramenta funcional que ajuda a acelerar o aprendizado, mas sem criar dependências. “A tecnologia evolui cada vez mais rápido e se você só ensina a usar e não a pensar, as crianças serão dominadas pela tecnologia e não o contrário, o que limita o desenvolvimento como um todo. Elas estão em fase de construção de critérios, portanto, o acesso e o tempo de uso precisam ser dosados para que não ocupem um tempo excessivo na formação em detrimento de outros aspectos como a prática de atividades físicas”, afirma.
Na perspectiva de Daniella Doyle, Head de Marketing de Bling, sistema de gestão da Locaweb Company, é praticamente impossível evitar 100% o contato das crianças com as telas, que podem servir para ajudar os pais quando utilizado da maneira correta, e isso deve ser alinhado com criança para alcançar um desenvolvimento saudável. Porém, a executiva destaca que a melhor forma de dosar o consumo de conteúdos em diferentes mídias é com o auxílio de uma rede de apoio eficaz.
“Com a minha filha, nós temos um combinado que ela pode assistir desenhos e filmes aos finais de semana com limite de tempo e em outras ocasiões quando a rede de apoio acaba falhando. Priorizamos a TV ao invés do celular, e também conteúdos que temos conhecimento e estamos de acordo com a linha. Eu e meu marido buscamos sempre nos esforçar para manter nossa filha distraída em momentos que geram tédio, como por exemplo na sala de espera de um consultório ou em um restaurante. A tela realmente fica para último caso, quando não conseguimos mantê-la distraída por conta de compromissos”, comenta Doyle.
Thiego Goularte, Country Manager da Zubale Brasil, empresa que busca elevar o e-commerce na América Latina por meio de um ecossistema de soluções, ressalta que a tecnologia no contexto da criação dos filhos possui seus benefícios e desafios a serem enfrentados, uma vez que vivemos em um mundo conectado onde a tecnologia desempenha um papel significativo no cotidiano das crianças.
“A conectividade proporciona uma quantidade de informações e recursos educacionais e ferramentas que podem ajudar a criança a se desenvolver de uma maneira mais ampla, auxiliando ela a construir uma perspectiva de mundo globalizada. Além disso, a tecnologia permite um contato dos pais com as crianças, uma vez que as distâncias são encurtadas por meio da conectividade. Agora, vale destacar que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos podem fazer com que a criança se isole e evite praticar atividades ao ar livre, e isso gera preocupações nos pais, que temem que o vício em telas interfira no desenvolvimento social dos filhos”, comenta Goularte
Rafael Cló, CEO da Azos – insurtech de seguro de vida – acredita que ainda estamos aprendendo sobre qual a melhor forma de criar nossos filhos no seu convívio com o celular, no acesso à rede sociais e quais limitações seriam interessantes de serem impostas ao navegador do telefone. Pai do Leo (2 anos) e do Noah (2 meses), em sua visão, o impacto da inteligência artificial ainda está muito recente, se ainda temos tantas perguntas em relação ao impacto do celular, vai levar tempo até para mapearmos os riscos aos quais a IA vai expor às nossas crianças.
Jan Luiz Leonardi
Na era digital, o acesso irrestrito à informação é uma faca de dois gumes. Como pai, minha principal inquietação está voltada ao conteúdo ao qual eles estão expostos. A internet é vasta e diversificada, oferecendo tanto recursos educativos quanto conteúdos que podem ser contraproducentes ao desenvolvimento saudável de uma criança ou adolescente. Ao mesmo tempo em que a internet pode oferecer inspirações positivas e conexões benéficas, também podem expor os jovens a pressões sociais, padrões irrealistas e informações distorcidas. No caso dos meus filhos, o YouTube é emblemático: seus algoritmos são projetados para manter os usuários assistindo, o que pode levar a uma maratona infindável de vídeos. E enquanto muitos desses vídeos podem ser inofensivos ou até educativos, há também aqueles que podem não alinhar-se com os valores que desejo passar para os filhos. Por exemplo, recentemente meu filho estava vendo um vídeo que transmitia a ideia de que objetos mais caros são inerentemente melhores que coisas mais baratas. Fiquei horrorizado, parei o vídeo e abri um diálogo sobre o tema com ele. Mais do que impor limitações rígidas, acredito que é fundamental entender o que as crianças e adolescentes assistem, por que e como se sentem a respeito. O controle parental não se resume apenas a ferramentas tecnológicas de restrição, mas principalmente a criar uma relação de confiança e entendimento, onde os jovens se sintam à vontade para compartilhar suas experiências online, e, juntos, possamos navegar por esse mundo digital de forma segura e consciente.
Mariana Adensohn é CHRO da Mecanizou, startup que conecta oficinas mecânicas e revendedoras a fornecedores de peças automotivas, por meio da tecnologia e uso de dados, e é mãe da Maria, de apenas 9 meses. Segundo a executiva, a filha não possui nenhum tipo de acesso a internet e ainda está tomando consciência das suas habilidades. Mariana e o marido trabalham em empresas de tecnologia e são entusiastas no assunto.
“Usamos constantemente a internet e tudo o que ela oferece para facilitar o nosso cotidiano e rotina, inclusive fazer boas escolhas para a Maria. Inevitável é a pergunta: em 2 anos, quando ela tiver domínio de suas funções motoras, da comunicação, por meio da linguagem verbal e corporal para se expressar, quando souber que atrás de uma tela existe um mundo de informações e entretenimento, que pode sim ser interessante para o seu desenvolvimento – obviamente que direcionado e dosado – em que nível de avanço estaremos, como será o modelo de aprendizado? Parece pouco, e é surreal pensar nisso, mas, como pais, estamos ansiosos para saber como vamos inserir a Maria, de forma responsável neste universo”.
Flávio Legieri, Cofundador & CEO da Intelligenza IT, consultoria especializada em tecnologias para RH, acredita que um dos maiores dilemas dos pais e responsáveis na atualidade é equilibrar o acesso que os filhos têm às tecnologias.
“Apesar da tecnologia ser muito positiva em alguns fatores do desenvolvimento infantil, existem diversos outros aspectos que mostram como ela pode virar uma vilã se não for bem controlada e houver uso moderado. Infelizmente, vejo muitas famílias usando smartphones e tablets como uma ‘chupeta’ moderna, para evitar o choro e as reclamações de seus filhos em casa ou em ambientes públicos. No entanto, essas atitudes que parecem inofensivas e paliativas, a médio prazo privará a criança de aprender a lidar com o tédio, a ter paciência, a se relacionar com as pessoas e diversas outras habilidades humanas necessárias para a vida”.