A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu a desocupação do povoado Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto, é mais do que uma liminar: é um respiro tardio diante de décadas de abandono institucional, conluio entre elites políticas e judiciário, e violência oficial contra o povo pobre do campo.
Durante dias, o Estado de Goiás, por meio da Polícia Militar e até do Corpo de Bombeiros, participou da destruição de casas simples erguidas com o suor de gerações que ocuparam aquelas terras. A justificativa? Executar uma decisão judicial de 1995, baseada em uma disputa que remonta a 1945, envolvendo herdeiros de uma família tradicional — entre eles, a falecida Maria Paulina Boss, tia do governador Ronaldo Caiado, e o advogado da causa até 2023, Breno Boss Caiado, hoje desembargador por nomeação do próprio primo.
📌 Uma reintegração com cheiro de feudo
Não é apenas uma reintegração de posse: é o símbolo de como o poder político e judiciário em Goiás ainda funciona segundo lógicas coronelistas. A nomeação de Breno Caiado ao cargo de desembargador, após anos atuando como advogado da própria família em um processo fundiário contestado, levanta dúvidas que vão além da moralidade — tocam no âmago da imparcialidade judicial.
A alegação usada por ele no último recurso apresentado antes de assumir o novo cargo foi a de irregularidades nos processos de usucapião movidos pelos moradores. O curioso é que a alegação não foi acompanhada da devida prova pericial ou contraditório justo. Apenas mais um expediente formal em uma máquina de moer gente, que há décadas opera em favor dos mesmos sobrenomes.
🧱 Casas ao chão, famílias sob ameaça
A execução da desocupação, iniciada no último domingo (4/8), resultou em demolições violentas e pânico entre famílias inteiras que vivem ali há gerações. A juíza Ailime Virgínia Martins, da 1ª Vara Cível de Santo Antônio do Descoberto, autorizou o uso de força policial e arrombamento, em pleno 2025, como se tratasse de criminosos armados e não de trabalhadores rurais que ali criaram filhos e cultivaram a terra.
A pergunta que não quer calar é: onde estavam os direitos humanos? Onde estavam o MP-GO, a Defensoria Pública local, a Ouvidoria Agrária Nacional, e a sensibilidade da Justiça Estadual?
⚖️ Fachin corrige, tardiamente, uma injustiça histórica
Foi preciso que a Defensoria Pública da União, movimentos sociais e lideranças da zona rural se mobilizassem para que o caso chegasse até Brasília e fosse reconhecido como o que realmente é: uma violação à dignidade humana. Fachin, ao suspender a desocupação, corrigiu momentaneamente uma injustiça histórica, mas os danos já causados permanecem. Casas destruídas, famílias humilhadas, traumas plantados no solo goiano.
🧩 Terra, poder e sobrenomes
Antinha de Baixo não é exceção. É regra. A terra no Brasil continua a ser o campo de batalha entre os sem-direito e os donos do poder. Quando esse poder carrega o mesmo sobrenome do governador, do desembargador e do advogado da causa, é impossível não enxergar a simbiose entre política e latifúndio.
Estamos diante de um modelo de país que ainda não resolveu seu conflito fundiário — e que prefere, reiteradamente, usar farda, trator e toga para resolver aquilo que deveria ser tratado com justiça social, reforma agrária e regularização fundiária.
📣 Que Antinha de Baixo se torne símbolo
A suspensão da desocupação deve ser o ponto de partida para uma reparação maior. O governo federal, por meio do Incra e da Secretaria de Direitos Humanos, precisa agir. A sociedade precisa saber o que acontece longe das câmeras de segurança, nas estradas de terra batida, onde a justiça costuma chegar sempre depois do trator.
Se queremos um Brasil verdadeiramente democrático, Antinha de Baixo não pode ser esquecida. Tem que virar símbolo de resistência.
📸 Imagem: Reprodução / Moradores em frente às casas demolidas em Antinha de Baixo
📍 Fonte: DPU, STF, TJGO