O que antes era atribuição quase exclusiva de bancos tradicionais — como Banco do Brasil, Caixa Econômica e cooperativas de crédito — agora se tornou um mercado cobiçado por fintechs e instituições privadas de pagamento. Trata-se da emissão e gestão de boletos para o recolhimento de tributos municipais, como IPTU, ISS, taxas de alvará, dívida ativa e outras arrecadações da máquina pública.
Esse setor, até pouco tempo invisível ao cidadão comum, hoje movimenta milhões de reais por ano e é considerado um dos segmentos de crescimento mais rápido dentro da administração financeira dos municípios brasileiros.
Mas, junto com esse crescimento, aumenta também a preocupação com a falta de transparência nos contratos firmados pelas prefeituras.
Como funciona esse mercado
Na prática, as fintechs oferecem às prefeituras:
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Emissão e compensação de boletos
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Integração com sistemas de arrecadação
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Controle de inadimplência
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Sistemas de regularização e renegociação
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Relatórios de arrecadação em tempo real
Em troca, cobram uma taxa por boleto pago, que pode variar entre R$ 1,20 e R$ 3,90 — um valor aparentemente pequeno, mas que, em larga escala, representa receitas milionárias.
Exemplo realista:
| Item | Estimativa anual |
|---|---|
| Quantidade de boletos emitidos | 300 mil |
| Taxa média por boleto | R$ 2,50 |
| Receita anual da empresa contratada | R$ 750.000,00 |
Em cidades maiores, esse valor ultrapassa R$ 2 milhões por ano.
A questão central: quem fiscaliza?
Apesar do impacto financeiro, boa parte desses contratos não passa por licitação tradicional.
Eles são firmados, muitas vezes, por meio de:
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Dispensa de licitação
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Inexigibilidade, sob argumento de “plataforma exclusiva”
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Ata de registro de preços compartilhada entre municípios
Na prática, nem sempre há concorrência real.
E quando não há concorrência, a transparência se perde.
O que especialistas em finanças públicas alertam
Segundo auditores ouvidos pelo Mais Brazil News, três pontos tornam esse mercado altamente sensível:
1) Baixa divulgação das taxas cobradas
A maioria das prefeituras não publica quanto o contribuinte paga por boleto emitido e compensado.
2) Falta de relatórios detalhados
Nem sempre há registro aberto do volume total de boletos, pagamentos, inadimplências e repasses.
3) Dependência tecnológica
Ao adotar uma plataforma privada e exclusiva, o município fica dependente da empresa, sem possibilidade de migrar sem custos adicionais.
“Quando o município terceiriza não apenas a cobrança, mas o controle da arrecadação, transfere poder decisório sobre a própria receita pública. É um risco administrativo grave.”
— Auditor municipal que pediu anonimato.
Impacto para o cidadão
A cobrança não é feita diretamente ao contribuinte, mas indiretamente:
A taxa é descontada no momento repasse ao município.
Ou seja:
O cidadão paga o tributo e, antes de chegar aos cofres públicos, uma parcela é retida pela empresa.
Sem transparência, a prefeitura pode acreditar que arrecadou “menos”, quando, na verdade, parte do valor foi transferida ao contratado.
Por que o tema precisa virar debate público
O avanço de fintechs na administração da arrecadação municipal é um movimento natural e pode representar inovação, redução de burocracia e modernização.
Mas:
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Sem transparência
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Sem fiscalização
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Sem clareza sobre valores e critérios
o modelo pode abrir margem para direcionamento político, dependência institucional e fragilidade financeira.
E, quando se trata de dinheiro público, silêncio nunca é opção.
Conclusão
A modernização da arrecadação municipal não pode ser sinônimo de privatização invisível da receita pública.
É papel do cidadão, da imprensa e dos órgãos de controle exigir:
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Contratos publicados na íntegra
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Divulgação das taxas por boleto
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Relatórios mensais de arrecadação e repasse
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Licitação com concorrência efetiva
Porque todo boleto pago no município tem dono — e tem destino.
E esse destino precisa ser claro.
A investigação continua.































































