O Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, conhecido pela sigla FIAGRO, consolidou-se como uma das maiores inovações financeiras do setor rural brasileiro. Em apenas alguns anos de funcionamento, o patrimônio líquido dos fundos saltou para R$ 38 bilhões, crescimento de 147% em 12 meses, segundo dados oficiais do Ministério da Agricultura.
Esse avanço não é apenas estatístico: ele revela uma mudança estrutural no financiamento do campo. Se antes o agronegócio dependia quase que exclusivamente de crédito rural subsidiado, hoje ele se conecta diretamente ao mercado financeiro. Investidores da cidade passam a injetar capital no campo por meio de cotas de fundos negociadas na B3, sem precisar comprar terras ou lidar com a operação agrícola.
📈 Três modalidades que movimentam bilhões
O FIAGRO pode assumir diferentes formatos, cada um com um perfil de risco e retorno:
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FIAGRO-FIDC: aplicado em recebíveis do agro, como CPRs e CRAs.
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FIAGRO-FII: voltado para imóveis rurais e arrendamento de terras.
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FIAGRO-FIP: investe diretamente em empresas do setor agroindustrial.
Esse leque de opções atrai desde grandes fundos de pensão — recentemente autorizados a entrar nesse mercado — até o investidor pessoa física, que busca rendimento isento de imposto de renda sobre dividendos.
🏛️ Implicações políticas e econômicas
O FIAGRO representa um avanço silencioso na política agrícola. Em vez de depender da escassez de recursos do Plano Safra, o setor passa a ter uma fonte privada e permanente de capital. O impacto vai muito além da safra: fortalece cooperativas, agroindústrias e projetos de infraestrutura rural.
Mas também há questionamentos:
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Quem controla o fluxo desses bilhões?
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Existe risco de concentração nas mãos de poucos fundos ligados a grandes players do agro?
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O pequeno produtor terá acesso real a esse mecanismo, ou ficará restrito ao crédito bancário tradicional?
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Um filho legítimo do lobby ruralista
O FIAGRO não nasceu por acaso. Sua criação, em 2021, foi resultado direto da articulação da Frente Parlamentar Agropecuária, uma das mais poderosas do Congresso Nacional. A Lei 14.130 foi aprovada sob a promessa de democratizar o acesso ao crédito rural, mas carregava embutida uma isenção fiscal generosa para atrair investidores da Bolsa. Ou seja, desde o berço, o FIAGRO foi moldado para servir a uma agenda política e econômica muito bem definida.
💰 Onde a política mexe no tabuleiro
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Tributação – A isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas não é neutra. Foi uma decisão política, sujeita a mudanças a cada debate de reforma tributária.
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Substituição do crédito rural – O governo já sinaliza reduzir gradualmente os subsídios do Plano Safra, empurrando produtores para o FIAGRO. Trata-se, na prática, de transferir a responsabilidade do Estado para o mercado.
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Pressão dos grandes grupos – Bancos, tradings e gigantes do agronegócio atuam para que o fundo seja moldado a seus interesses. O risco é o pequeno produtor ficar de fora, reforçando a concentração de poder no setor.
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Regulação capturada – A CVM, que deveria atuar como reguladora independente, já sofre pressão para flexibilizar regras de aplicação e governança, sempre com o argumento de “atrair mais investidores”.
🕴️ Bastidores: o cofre do agro
Fontes de mercado confirmam que o FIAGRO já é tratado em Brasília como o “novo Previ do campo” — um cofre bilionário que pode servir não apenas para irrigar lavouras, mas também para alimentar articulações políticas. Não é coincidência que gestoras ligadas a grandes bancos tenham acesso privilegiado a autoridades e parlamentares, buscando moldar normas sob medida.
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🔍 Opinião
Os R$ 38 bilhões movimentados pelo FIAGRO impressionam, mas levantam uma dúvida incômoda: quem realmente controla esses recursos?
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O mercado, com sua lógica de rentabilidade?
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O agronegócio, com seu peso econômico?
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Ou a política, com seu apetite insaciável por fundos bilionários?
O FIAGRO tem potencial para democratizar o acesso ao crédito rural, mas também pode se tornar um instrumento de concentração de poder e influência. A escolha entre um futuro inclusivo ou excludente para o campo está sendo feita agora, nos gabinetes de Brasília — longe das mãos calejadas dos pequenos produtores que alimentam o país.