A ofensiva policial que expõe a expansão silenciosa da facção carioca no Nordeste e o colapso da inteligência de segurança pública
A prisão de 35 suspeitos ligados ao Comando Vermelho (CV), nesta terça-feira (4), na Bahia e no Ceará, lança luz sobre um fenômeno que há anos vinha sendo ignorado pelas autoridades: a interiorização e o enraizamento das facções do Rio de Janeiro e São Paulo em territórios nordestinos. A chamada Operação Freedom, deflagrada por forças conjuntas das polícias civil, militar e federal, não é apenas mais uma ação contra o tráfico — é o retrato de uma guerra silenciosa pela hegemonia criminal fora dos grandes centros.
De acordo com os investigadores, o núcleo armado e financeiro do CV já havia estabelecido base sólida em Salvador, com ramificações que alcançavam cidades do interior e até o sistema prisional baiano. A prisão do suposto chefe da facção na capital e de sua companheira, apontada como responsável pelo controle das finanças, revela uma estrutura empresarial do crime, com lavagem de dinheiro, uso de contas bancárias e articulação interestadual — elementos típicos do crime organizado moderno.
Violência no cenário baiano: dados que assustam
Para entender o ambiente no qual o CV se instalou na Bahia, é essencial ver os números:
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Em 2023, a Bahia registrou 6.616 homicídios — o maior número absoluto entre os estados brasileiros.
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A taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) no estado foi de 40,6 mortes por 100 mil habitantes em 2024, segundo estudo recente.
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No primeiro semestre de 2025, houve redução de 7,3% nas mortes violentas (homicídios, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) em comparação ao mesmo período do ano anterior.
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Quanto aos roubos de veículos, o estado também apresenta situação grave: no primeiro trimestre de 2025 foram 2.264 veículos roubados na Bahia, com taxa de 166,59 roubos por 100 mil veículos, situando o estado entre os piores do Nordeste.
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Em Salvador, no semestre inicial de 2025, os roubos de veículos caíram 17,3% em relação ao mesmo período de 2024.
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Apesar da queda, o volume ainda é alto: no primeiro semestre de 2024 foram registrados 5.524 roubos de veículos e 3.274 furtos no estado.
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Em termos de concentração territorial, o estado tem seis das dez cidades mais violentas do Brasil segundo ranking de MVI: Camaçari (90,6), Jequié (84,4), Simões Filho (75,9), Feira de Santana (74,5), Juazeiro (74,4) e Eunápolis (70,4) mortes por 100 mil habitantes.
Esses números demonstram um ambiente de violência elevada, no qual estruturas criminosas têm terreno fértil para operar — menor presença estatal, menores índices de prevenção, maior lucro ilegal e rotas de tráfico.
Ecos da Penha e do Alemão
A Operação Freedom ocorre apenas seis dias após a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 117 suspeitos e quatro policiais. A sequência de ações não é coincidência: sinaliza uma estratégia nacional de desarticulação do CV, que tenta se reerguer após perdas territoriais no Sudeste.
Mas a pergunta que ecoa é inevitável: por que o Estado brasileiro só reage quando o problema já tomou corpo nacional? A infiltração do CV no Nordeste não começou ontem. Há pelo menos uma década investigações isoladas apontavam para o uso da Bahia, Sergipe e Pernambuco como corredores logísticos de drogas e armas vindas do Norte.
O desafio político e a crise da inteligência
Se por um lado as operações ostensivas têm forte apelo midiático, por outro, revelam o fracasso da política de inteligência e prevenção. O Estado age como bombeiro em incêndio já consumado — reage, mas não antecipa. E essa falha não é apenas da polícia: é também política. Faltam integração entre estados, investimento em monitoramento financeiro e, sobretudo, coragem para enfrentar os interesses ocultos que financiam e protegem essas facções.
A expansão do CV na Bahia é mais do que um fato policial; é um alerta institucional. Mostra que o crime organizado já entendeu o que muitos governadores fingem não ver: onde o Estado é ausente, o tráfico vira governo.
Para onde olhar agora
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Fiscalização financeira: O bloqueio de 51 contas bancárias na operação mostra que há uma rota econômica significativa envolvida — mas poucas vezes esse caminho é seguido até suas origens.
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Integração interestadual: A prisão de pessoas escondidas no Ceará revela que o CV está articulando em rede — não apenas localmente.
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Prevenção e modelo de presença estatal: Os números de homicídios e roubos mostram que não basta patrulhar — é necessário investir em educação, emprego, urbanização, presença constante do Estado; caso contrário, a facção se instala.
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Transparência de dados: A Bahia ainda enfrenta dificuldades para publicar dados atualizados e completos em segurança pública. observatorioseguranca.com.br Sem transparência, não há controle social nem análise sofisticada.































































