Estudo revela violações de direitos humanos; ações empreendidas pelos movimentos sociais, sociedade civil e universidades foram fundamentais para mitigar danos
Estudo desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) em conjunto com pesquisadores e pesquisadoras do Observatório Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua do Paraná e o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, indicou que as medidas sanitárias de segurança adotadas para proteger a população em geral resultaram em uma condição de insegurança para a população em situação de rua.
A pesquisa “As violações de direitos humanos da população em situação de rua na cidade de Curitiba” investigou o processo ocorrido durante a crise sanitária da COVID-19. O estudo foi conduzido pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas (PPGDH) da PUCPR, Rodrigo Alvarenga, e pela pesquisadora em Políticas Públicas, Isabele Cristine Gulisz.
“Com a necessidade de isolamento social durante a crise da Covid-19, esse grupo populacional, já tão vitimado pela violência cotidiana, teve sua sobrevivência ainda mais ameaçada. As medidas de segurança que tinham por objetivo proteger o conjunto da população da contaminação em massa deixaram a população em situação de rua em uma condição generalizada de insegurança. Sem água e banheiros públicos para realização de sua higiene pessoal e hidratação, com restaurantes populares e comércios fechados, e sem itens de segurança como máscaras, luvas ou álcool em gel, a vida de quem se encontrava em situação de rua ficou ainda mais difícil”, pontua Alvarenga.
Ressalte-se que à época do início da pandemia de Covid-19 no Brasil, em março de 2020, a população de rua no país era estimada em 221,9 mil pessoas, segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), crescimento de 83,9% em comparação com o que havia cinco anos antes.
Exemplo é a história de Júlio César Graciano, na qual a pandemia o levou para as ruas da capital paranaense. Com 57 anos, Júlio, que já foi funcionário de carteira assinada, percursionista, auxiliar de circo e locutor, viu a vida na rua como única opção quando o dinheiro que recebia não pagava mais as contas que chegavam.
“A Covid-19 prejudicou muita gente, e nós vimos isso de perto. Tive que sair da minha casa, recolheram meus filhos, e parei na rua”, conta. “Todos os protocolos contra a doença prejudicam ainda mais. A demora da vacina e o distanciamento nos deixaram a mercê da sorte. O poder público não estava nem aí, porque quando quer fazer, faz”. Hoje em dia, com trabalhos voluntários, Júlio obteve ajuda e consegue auxiliar aqueles que estão em situações semelhantes à dele. “A gente se sente no fundo do poço, mas aos poucos estou conseguindo subir”, diz.
Mobilização social
O estudo ainda destaca as ações empreendidas pelos movimentos sociais, sociedade civil e universidades para combater as violações de direitos humanos. Um exemplo é a criação de uma cozinha solidária pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua, que visou fornecer alimentação adequada para essa população. Além disso, a pesquisa descreve também o processo de criação do Observatório Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua do Paraná, uma iniciativa que visa estudar, pesquisar e promover a incidência política para garantir os direitos humanos dessa população. “Queremos contribuir para que as violências diminuam e cobrar do poder público as mudanças necessárias para o fim da violação dos direitos humanos”, explica Alvarenga.
O Observatório foi criado em resposta às constantes denúncias de violência e ausência de garantia de direitos fundamentais por parte do poder público e do sistema de justiça em Curitiba e em diversas cidades do Estado do Paraná. A iniciativa atua diretamente nas ruas e em uma sede própria destinada ao atendimento da população em situação de rua. Seu objetivo é produzir dados sobre as violações sofridas por essa população e encaminhar as demandas e denúncias aos órgãos responsáveis do poder público, sistema de justiça e sociedade civil.
“A pesquisa e as ações desenvolvidas pelo Observatório são fundamentais para contribuir com a luta pela efetivação dos direitos humanos da população em situação de rua”, destaca Alvarenga. “Pretendemos ampliar a conscientização sobre as violações enfrentadas pela população em situação de rua e promover a adoção de medidas concretas para garantir sua proteção e dignidade”, completa.